Padre maringaense relata drama das enchentes no norte do Brasil e questiona construção de barragens das hidrelétricas

14 de Março de 2014

Padre maringaense relata drama das enchentes no norte do Brasil e questiona construção de barragens das hidrelétricas

imagem Padre maringaense relata drama das enchentes no norte do Brasil e questiona construção de barragens das hidrelétricas

Por Padre Genivaldo Ubinge*

Foto G1/Globo.com
O Rio Madeira é o maior rio do Estado de Rondônia, recebe água dos Rios Beni (Bolívia), e Guaporé, que por sua vez recebe água de outros rios do Estado e da Bolívia, na altura de Costa Marques, passando por Guajará-Mirim e Nova Mamoré; chama-se Rio Mamoré, na altura do distrito de Araras e passa-se a chamar Rio Madeira passando por Porto Velho.

Neste foram construídas duas barragens. A de Jirau (mais acima) e de Santo Antônio (mais próximo de Porto Velho). Neste ano, em seis de fevereiro, as águas do Madeira chegaram a 16,28 metros, bem próximo do nível de alerta que é 16,40 metros já anunciando para uma cheia histórica. A última grande cheia ocorreu em 1997, quando atingiu 17,52 metros, pouco mais de 1 metro acima do nível de alerta.

No domingo, dia 9, o Madeira atingiu 19 metros, 2,60 metros acima do nível de alerta e já se constatou a maior cheia dos últimos 50 anos. Mais de 10 mil pessoas foram removidas de suas casas e prédios de serviços públicos e instalações dos portos da Capital Porto Velho estão alagados.

O porto é o principal ponto de chegada de mercadorias e produtos que abastecem Rondônia, bem como o principal ponto de escoamento da produção agrícola do Estado. Assim, o Estado todo sofre com a escassez e aumento nos preços de gás, combustível, alimentos e os produtores estão preocupados com o escoamento da soja, cuja colheita já está prejudicada pelo excesso das chuvas.

A situação mais crítica é em Guajará-Mirim e Nova Mamoré (cerca de 350 km de Porto Velho), pois a BR 425, rodovia de acesso a estes munícipios, está alagada e interditada desde 13 de fevereiro, e a BR 364, no sentido Acre, está com vários pontos de alagamento; alguns pontos com lâmina de água que atinge 80 cm acima do asfalto, o que inviabiliza o tráfego de veículos pequenos e dificulta muito o de caminhões.
Acesso somente aéreo e fluvial. O avião de passageiros é de 23 lugares, há fila de espera. O trajeto de barco dura em média 8 dias.
As consequências econômicas são enormes: escassez de produtos, sobretudo o combustível; e consequente aumento de preços. Já se fala de botijões de gás por R$80; o litro da gasolina por R$5…

A isso se soma a perda de postos de trabalho. Uma distribuidora que emprega cerca de 200 pessoas, demitiu 30 na última sexta-feira (07); estes ainda têm o seguro desemprego. Mas os trabalhadores informais são os que mais sofrem, pois, dependem do movimento de caminhões e mercadorias e são os mais atingidos. Com a cheia do Rio Mamoré um bairro de Guajará-Mirim será alagado nos próximos dias.

A previsão é que as águas comecem a baixar para fins de março, e voltem seus níveis normais apenas no final de abril. Mas as consequências das enchentes continuam com o aumento de doenças e a demora na normalização dos serviços e produtos.

 

Influência das usinas

As usinas de Jirau e Santo Antônio negam qualquer tipo de influência nas enchentes, alegando que se trata de um fenômeno puramente climático: excesso de chuvas em Rondônia e, principalmente, na Bolívia. Isto potencializado pelo aquecimento global que faz derreter as geleiras nas montanhas andinas.

É difícil saber a verdade e a real influência das usinas nesta enchente. Afinal, empreendimentos como estes envolvem muitos interesses e há manipulação das informações. Os impactos ambientais e sociais são sempre minimizados, e depois se revela muito além das expectativas, com o silêncio surpreendente por parte da impressa.

Se vale um testemunho e uma reflexão pessoal, ainda nos períodos de construção das barragens, antes de seu funcionamento, quando trafegávamos pela BR 364, ficávamos com a sensação que a elevação não fora suficiente, de que a estrutura não iria suportar numa região de muitas chuvas e que recebem as águas de tão diversos lugares.

Manifestamos nossa opinião de leigos no assunto e sempre alguém pró-hidreléticas se apressava em dizer: “São técnicos competentes, com supervisão do IBAMA, que estudaram e concluíram isso…!”.
Na semana passada o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Rondônia com a OAB e outras entidades entraram com uma ação contras os Consórcios responsáveis pelas Usinas e o IBAMA.

Agora querem mais estudos e respostas sobre os impactos sociais e ambientais. Penso ser de responsabilidade dos técnicos conhecer todos os fatores climáticos da região e prever as consequências de barragens das águas em uma região como esta.

Se houve erro de cálculo por parte dos técnicos e especialistas, quem vai nos responder? Se as cheias são causadas apenas pelos fatores climáticos, quem vai nos responder? O fato é que o povo está vivendo em situação de calamidade.

* Padre Genivaldo Ubinge é sacerdote do clero da Arquidiocese de Maringá-PR e está em missão no município de Cerejeiras-Rondônia.